Conteúdo
- Um dilema pessoal ou um dilema mundial?
- 1. Objeto
- 2. Subjetividade
- 3. Identificação
- O paraíso são os outros
A EMPATIA TEM ALGUMAS CARACTERÍSTICAS INFELIZES – É PAROQUIAL, TACANHA E ANALFABETA FUNCIONAL. Paul Bloom
Conforme o pensamento do Design ganha relevância, também entram em cena termos e conceitos que são usados pelos designers para atuar de forma centrada no ser humano. É o caso da empatia. Essa palavra tem aparecido cada vez mais e – antes que o vocabulário superficial do mundo corporativo se aproprie dela – é interessante puxar o termo para um equilíbrio.
Empatia, o ato de emular o sentimento de outra pessoa ao cognitivamente colocar-se no lugar dela, é um elemento fundamental do design (e do mundo) atual. Através dessa ação, supostamente abre-se uma perspectiva por meio da qual o sujeito consegue o mais próximo possível de sentir o que sente a outra pessoa.
Não à toa a voga da empatia. Conforme a complexidade do mundo desabrocha, somos convidados continuamente a andar as trincheiras de outros pontos de vista. Para resolver problemas complexos, temos de sentir o que sentem os outros. A intolerância, nesse contexto, torna-se questão de vida ou morte e a empatia ganha as coroas de uma salvadora; a falta de empatia seria, para alguns pensadores, o próprio mal. Mas é nessa questão moral que a empatia tem o seu ponto fraco.
COMO SERES HUMANOS, TEMOS UM LIMITE PARA NOS COLOCAR NA PELE DOS OUTROS
Um dilema pessoal ou um dilema mundial?
Em seu texto "Um caso contra a empatia", o articulista Paul Bloom descreve na revista New Yorker como a empatia ganhou status de fator determinante de um futuro melhor para o mundo. É um texto com uma ponta pragmática típica dos norte-americanos, mas serve muito bem como contraponto. Muitos saíram em defesa de uma empatia global, uma grande fraternidade entre os seres humanos, mas existe um grande porém. O fato é que, como seres humanos, temos um limite cognitivo para nos colocar na pele dos outros. Temos uma enorme dificuldade de empatizar com centenas ou milhares de pessoas; De uma tragédia de 100 mil pessoas em comparação com uma tragédia de cinco mil nosso sentimento não se multiplica por vinte.
Tudo muda quando uma história representa tais tragédias. Buscamos nos identificar com histórias. Um exemplo recente é a imagem de um garoto sírio que morreu afogado na tentativa de emigrar para a Europa, uma imagem que chocou e ficou conhecida por milhões de pessoas por meio da mídia e das redes sociais. O garoto virou símbolo do grave caso dos imigrantes vindos do Oriente Médio fugindo de conflitos armados. Casos como o do garoto acontecem aos milhares há muitos anos. Na África, há décadas. Mas somente uma história é capaz de despertar uma convulsão mundial. Quando os número são muito grandes, precisamos de um símbolo. E símbolos, como aprendemos amargamente no último século, podem ser facilmente manipulados.
Por outro lado, em um mundo complexo, há infinitos problemas com os quais empatizar. Enquanto um exercício de empatia poderia resolver conflitos, poderia ser a própria causa de outros. Enquanto gastamos energia em problemas específicos, nos colocando no lugar dessa ou daquela vítima, podemos deixar de perceber as macrotendências que todos esse problemas, juntos, desenham. É por isso que, segundo Paul Bloom, a empatia é essencial para as relações entre as pessoas mas pode ser um desastre quando se trata das grandes decisões que ainda são tomadas por poucos líderes para muitos sujeitos, seja por governos ou corporações, porque são decisões que não podem ser empáticas sob pena de serem injustas. Salvar centenas ou salvar milhões? Como números fazem parte da razão e não da emoção, não importa um grande ou um pequeno bem. Importa apenas a parte com a qual conseguimos nos corresponder. Tendemos a tomar a parte pelo todo porque simplificamos o problema a ponto de podermos entendê-lo e formar uma opinião. Aí mora o outro perigo.
A EMPATIA É UM MIX AGUDO DE SENTIMENTOS LOUCOS PARA SEREM APLACADOS POR UMA HISTÓRIA, SEJA ELA QUAL FOR
Como se trata de uma via de mão dupla subjetiva entre dois indivíduos, pautamos as ações a seguir não por bom senso. Filtramos tudo o que está acontecendo com o outro segundo nossos próprios preceitos. Unilaterais, com a pequena parte que entendemos do problema, tendemos a vitimizar. Quando pauta alguma decisão, a empatia pode levar simplesmente a um ledo engano.
Os três principais problemas da empatia
1. Objeto
Quem é o objeto da sua empatia? Quem é a "vítima"? Nessa relação há muito sentimento, intuição e humanidade. São emoções instantâneas. Pode acontecer como naquele filme em que somos levados a gostar daquele que, no fim, se revela o vilão. Quando há decisões complexas, a empatia pode levar a injustiças
2. Subjetividade
O que baliza a empatia não é uma noção de justiça ou verdade. São nossos próprios julgamentos e preconceitos que filtram o problema. Do outro lado, também é a subjetividade da pessoa que expressa o que está passando com ela. Um mix agudo de sentimentos loucos para serem aplacados por uma boa história, seja ela qual for.
3. Identificação
A empatia deve ser vista como uma ação subjetiva e relativa, com literalmente dois pesos e duas medidas. Ninguém consegue ter exatamente a mesma sensação que outra pessoa. Identificar-se – trocar elementos de identidade – com outro não é ter empatia. Identidade define, empatia troca. Por isso, ter empatia é fundamental para a tolerância e a paz, mas identificar-se significa tomar para si a identidade de uma situação, sujeito ou conceito e, assim, assumir também como seu o problema ou parte dele. A quantos problemas no mundo assistimos nos perguntando "Por que ninguém faz nada" (inclusive nós mesmos)? Bombeiros e médicos fazem isso o tempo todo, porque isso os define. Nós não fazemos nada porque empatizamos, mas não nos identificamos com o problema.
EMPATIA É UMA FURADA? ABSOLUTAMENTE O CONTRTÁRIO!
O paraíso são os outros
Então esse negócio de empatia é uma furada? Absolutamente o contrário! A questão da empatia é justamente enxergá-la como uma troca. É o meio do caminho entre "não me importo" e "compartilho de um problema". Ter empatia é fundamental para o desenrolar de uma situação; apenas ter empatia é sim suficiente pois nem todos podem, devem ou querem se identificar com o problema. Com a empatia, há transferência e ganho emocional. Transferir energia e sentimento para outras pessoas é parte do equilíbrio emocional e do aprendizado intrínseco da sociedade. A pergunta cabulosa é: será que devemos viver em uma sociedade sem problemas? Porque essa definitivamente seria uma sociedade sem empatia. E sem aprendizado. Ou uma sociedade do "mal" para alguns.
O outro lado é a compaixão. É o extremo, quando deixamos de apenas filtrar o que achamos que o outro está sentido ao tentarmos usar sua lente – quando deixamos a empatia – para derrubar as barreiras e realmente compartilhar o sentimento. Esse, segundo os budistas é o grande desafio de uma sociedade paralisada pelo medo, piedade e intolerância.
Mas e o design? Para os designers, o exercício de empatia está de bom tamanho. Eles sabem muito bem que têm que conhecer profundamente seu usuário ou cliente e tentar desenhar suas soluções de acordo com o ponto de vista do sujeito. Fazendo isso e atentando para os pontos fracos da empatia vai ficar tudo bem. Não dá pra fazer sempre tudo do jeito que o usuário quer. Basta levar em conta essa frase do designer Steve Selzer: "ao remover todo o atrito, nós removemos momentos de crescimento pessoal, serendipidade e reflexão". Ao enxergar empatia como uma troca, a graça está garantida.
Why empathy isn't everything
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